Norte e Nordeste sofrem com as enchentes
Já passa de 600.000 o número de pessoas afetadas pelas enchentes no Norte e Nordeste do país. Os estados mais atingidos pelas fortes chuvas são Maranhão, Piauí Ceará, Bahia, Pará e Amazonas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou nesta terça-feira o Maranhão e o Piauí para sobrevoar as áreas mais atingidas.
O Maranhão tem 52 cidades em estado de emergência. Após sobrevoá-las ao lado da governadora Roseana Sarney, Lula disse que vai liberar dinheiro para ajudar a região, mas exigiu do governo estadual projetos "muito bem realizados". "Não adianta ter dinheiro se não tem projeto; o projeto é essencial para se conseguir o dinheiro", disse Lula. O Ministério da Saúde autorizou o envio ainda esta semana de um carregamento com 265.000 unidades de 15 tipos de medicamentos e insumos ao estado.
No Piauí, as aulas foram suspensas na capital Teresina por causa das enchentes e o prefeito Sílvio Mendes (PSDB) decretou ponto facultativo aos funcionários do município. Com a medida, a prefeitura espera evitar congestionamentos e transtornos causados pelos alagamentos. Há pelo menos 36.000 pessoas afetadas pelas chuvas em todo o estado.
Na Bahia, três pessoas morreram na capital Salvador após um deslizamento de terra provocado pelas chuvas. Segundo a Defesa Civil, três imóveis desabaram no bairro de Pirajá. A chuva também provocou a queda de uma árvore, que atingiu dois ônibus e um carro. No Ceará há mais de 26.000 pessoas desalojadas. As chuvas na região já duram um mês e causaram, até o momento, sete mortes. Em todo o estado há 165.000 pessoas atingidas pelas chuvas, que atingem 134 municípios, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
Norte - No Pará, as regiões mais atingidas pelas cheia são o baixo Amazonas e Tapajós, onde o nível do rio já está a 8,5 metros acima do. Segundo a Defesa Civil Estadual, pelo menos 32.000 pessoas foram afetadas pelas enchentes e ao menos 1.000 estão desalojadas. Há 28 municípios em estado de emergência. No Amazonas, o tradicional Festival Folclórico de Parintins corre o risco de não ser realizado nos últimos dias de junho por conta da enchente que já atinge bairros próximos ao Bumbódromo.
A Defesa Civil Estadual estima que cerca de 30.000 pessoas que moram na zona oeste de Parintins, a 325 quilômetros de Manaus, podem ficar completamente isoladas do centro. No município, foram cadastradas 2.000 famílias desalojadas. De acordo com o secretário de governo do Estado, José Melo, contudo, o município que mais preocupa é Anamã, a 168 quilômetros da capital. "O município está submerso porque foi construído dentro de um vale, as pessoas estão todas ilhadas nos poucos lugares mais altos", afirmou.
(Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/norte-nordeste-sofrem-enchentes, publicado no dia 05/05/2009.)
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Exames de bolsa em escola particular
Galera, segue aqui mais uma escola para poderem se inscrever e fazer o exame de bolsas.
http://www.escolainternacional.com.br/bra/idx_acontece_int.php?&id=640
Acessem o limk e vejam o regulamento.
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quinta-feira, 22 de julho de 2010
Planejamento para o terceiro bimestre.
Conteúdo
1. Trabalho de pesquisa (aprender a escrever o texto e produzir um); e
2. Seminário (aprender como organizar e apresentar um);
Avaliação
1. Avaliação mensal;
2. Avaliação bimestral;
3. Apresentação de seminário; e
4. Trabalho de pesquisa.
1. Trabalho de pesquisa (aprender a escrever o texto e produzir um); e
2. Seminário (aprender como organizar e apresentar um);
Avaliação
1. Avaliação mensal;
2. Avaliação bimestral;
3. Apresentação de seminário; e
4. Trabalho de pesquisa.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Texto para o resumo.
AMOR
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar a enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha - com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera.
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.
O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.
O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viram jantar - o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir - como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada - o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão - Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava - o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.
Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.
Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.
A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima, mas como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão - e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganhado uma força e vozes mais altas. Na rua Voluntária da Pátria pareciam prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.
Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.
Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.
Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pode localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.
Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.
A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si. De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho. Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.
Um movimento leve e íntimo a sobressaltou - voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu.
Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.
Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato profundo. E a morte não era o que pensávamos. Ao mesmo tempo que imaginário - era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega - era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.
As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumadas... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos, enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.
Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.
Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria - e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.
Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito - o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpos os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava - que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se trêmula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado - amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal - o cego ou o belo Jardim Botânico? - agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. O sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.
Deixou-se cair numa cadeira, com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?
Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.
Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lado dos que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranqüilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo - e que nome se deveria dar à sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar o leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! Era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.
Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! Mas ela amava o cego! Pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.
Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d'água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.
Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.
Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros.
Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana perdeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.
Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.
Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! Pensou correndo para a cozinha e deparando com seu marido diante do café derramado.
- O que foi?! Gritou vibrando toda.
Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:
- Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.
Mas diante do estranho rosto de Ana, espio-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.
- Não quero que lhe aconteça nada, nunca! Disse ela.
- Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.
Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar a enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha - com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera.
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.
O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.
O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viram jantar - o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir - como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada - o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão - Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava - o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.
Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto há muito não usada, ressurgira-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.
Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.
A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima, mas como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão - e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganhado uma força e vozes mais altas. Na rua Voluntária da Pátria pareciam prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.
Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.
Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.
Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pode localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.
Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.
A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si. De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho. Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.
Um movimento leve e íntimo a sobressaltou - voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu.
Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.
Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato profundo. E a morte não era o que pensávamos. Ao mesmo tempo que imaginário - era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega - era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.
As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumadas... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos, enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.
Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.
Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria - e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.
Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito - o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpos os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava - que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se trêmula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado - amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal - o cego ou o belo Jardim Botânico? - agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. O sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.
Deixou-se cair numa cadeira, com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?
Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.
Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lado dos que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranqüilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo - e que nome se deveria dar à sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar o leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! Era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.
Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! Mas ela amava o cego! Pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.
Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d'água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.
Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.
Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros.
Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana perdeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.
Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.
Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! Pensou correndo para a cozinha e deparando com seu marido diante do café derramado.
- O que foi?! Gritou vibrando toda.
Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:
- Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.
Mas diante do estranho rosto de Ana, espio-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.
- Não quero que lhe aconteça nada, nunca! Disse ela.
- Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.
Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.
Atividade
Essa atividade vale um ponto a mais na média desse bimestre (2º). façam um resumo do texto que segue e entregue no dia 26/07/2010.Não será aceito nada após essa data. Até mais.
O resumo
Em uma explicação bem prática, o resumo consiste em um gênero de texto que tem como função condensar as informações existentes em outro gênero de texto. Ou seja, ao ler, o indivíduo seleciona o que é mais importante no texto, como o assunto principal para, a partir daí, compor seu texto ressaltando esses pontos. É correto considerar que a escrita do resumo depende de como o leitor compreendeu o texto, pois sem uma interpretação coerente do material escrito pode ser que ocorra a produção de um resumo fora das adequações. Veja um exemplo.
“O livro “Harry Potter e a pedra filosofal” conta a história de um garoto que aos 11 anos de idade descobre que é bruxo. A partir dessa revelação, a vida desse jovem se transforma em uma aventura, pois ele acaba por ir estudar em uma escola de magia, Hogwarts. Nessa escola, o menino faz amizades importantes com Rony e Hermione, aprende a controlar a força mágica que possui e enfrenta um inimigo poderoso, Voldemort, o mesmo bruxo que matara seus pais e que tentara assassiná-lo também. O garoto vence o inimigo.”
Observe que somente as informações principais são colocadas no texto. Não há descrições detalhadas e nem reprodução de diálogos. O que há é uma condensação de informações para que o texto traga somente o que for necessário para informar alguém que seja leigo no assunto tratado no livro. É importante ressaltar que esse é uma maneira de fazer o resumo do livro, mas que existem outros modelos mais ou menos extensos.
“O livro “Harry Potter e a pedra filosofal” conta a história de um garoto que aos 11 anos de idade descobre que é bruxo. A partir dessa revelação, a vida desse jovem se transforma em uma aventura, pois ele acaba por ir estudar em uma escola de magia, Hogwarts. Nessa escola, o menino faz amizades importantes com Rony e Hermione, aprende a controlar a força mágica que possui e enfrenta um inimigo poderoso, Voldemort, o mesmo bruxo que matara seus pais e que tentara assassiná-lo também. O garoto vence o inimigo.”
Observe que somente as informações principais são colocadas no texto. Não há descrições detalhadas e nem reprodução de diálogos. O que há é uma condensação de informações para que o texto traga somente o que for necessário para informar alguém que seja leigo no assunto tratado no livro. É importante ressaltar que esse é uma maneira de fazer o resumo do livro, mas que existem outros modelos mais ou menos extensos.
terça-feira, 29 de junho de 2010
Recado
Para quem acompanha este blog, até o fim de semana teremos um post muito importante para a avaliação bimestral do dia 07/07/10.
Aguardem.
Aguardem.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Texto que será usado para a avaliação.
Eveline.
Estava sentada à janela, vendo a noite invadir a avenida. Sua cabeça inclinava-se contra as cortinas e em suas narinas estava o cheiro de cretone empoeirado. Estava cansada.
Poucas pessoas passavam. O homem da última casa passou rumo ao lar; ela escutou seus passos sobre o pavimento de concreto e depois esmagando o trecho cinza que ficava antes das novas casas vermelhas. Antigamente havia um campo lá, onde eles brincavam todas as tardes com outras crianças. Então um homem de Belfast comprou a área e construiu casas nela – não casas pequenas e marrons como as suas, mas radiantes casas com tetos brilhantes. As crianças da avenida costumavam brincar juntas naquela área – os Devines, os Waters, os Dunns, pequeno Keogh, o aleijado, ela e seus irmãos e irmãs. Ernest, no entanto, nunca brincava: ele já era bastante crescido. Seu pai freqüentemente os enxotava do campo com uma vara; mas geralmente o pequeno Keogh conseguia impedir e os alertava quando via seu pai vindo. Ainda assim, eles pareciam ter sido felizes então. Seu pai não era tão mau; e, além disso, sua mãe estava viva. Aquilo foi há muito tempo; ela e seus irmãos e irmãs estavam agora todos crescidos; sua mãe estava morta. Tizzie Dunn estava morta, também, e os Waters tinham voltado para a Inglaterra. Tudo muda. Agora ela iria embora, como os outros, deixaria seu lar.
Lar! Olhou o quarto em volta, revendo todos os objetos familiares que havia espanado uma vez por semana durante tantos anos. Talvez ela nunca mais visse novamente aqueles objetos familiares dos quais nunca sonhara ser separada. E ainda assim, durante todos aqueles anos, ela nunca descobrira o nome do padre cuja fotografia amarelada pendia na parede, sobre o harmônio quebrado ao lado de um impresso colorido com promessas à Abençoada Maria Margarete Alacoque. Ele havia sido um colega de escola de seu pai. Toda vez que ele mostrava a fotografia a um visitante, falava com casualidade:
– Ele está em Melbourne.
Ela consentira em ir embora, em deixar sua casa. Era aquela uma decisão inteligente? Tentou pesar os dois lados da questão. Em casa, de qualquer forma, ela tinha abrigo e comida. Claro, tinha que trabalhar duro tanto em casa quanto no emprego. O que diriam dela na Loja quando descobrissem que havia fugido com um parceiro? Diriam que era uma tola, talvez; e seu lugar seria preenchido através de um anúncio. A senhorita Gavan ficaria satisfeita. Ela sempre lhe aborrecera, especialmente quando havia gente ouvindo.
– Senhorita Hill, não vê que essas damas estão esperando?
– Apresse-se, senhorita Hill, por favor.
Ela não derramaria muitas lágrimas por deixar a Loja.
Em sua nova casa, em um distante e desconhecido país, não seria assim. Ela estaria casada – ela, Eveline. As pessoas lhe tratariam com respeito. Não seria tratada como o fora sua mãe. Mesmo agora, embora tivesse dezenove anos, às vezes se sentia em perigo por conta da violência do pai. Sabia que era aquilo que lhe havia causado palpitações. Quando estavam crescendo, ele nunca implicara com ela, como costumava fazer com Harry e Ernest, porque ela era uma garota; mas ultimamente ele começara a ameaçá-la e dizer o que seria capaz de lhe fazer em nome de sua mãe morta. E agora não havia ninguém para protegê-la. Ernest estava morto e Harry, que vivia na igreja trabalhando com ornamentos, estava sempre em algum ponto distante do país. Além disso, os inevitáveis bate-bocas sobre dinheiro nas noites de sábado haviam começado a cansá-la incrivelmente. Ela sempre dava todo seu salário – sete shillings – e Harry sempre mandava o que podia, mas o problema era conseguir qualquer dinheiro de seu pai. Ele dizia que ela desperdiçava dinheiro, que não tinha juízo, que não daria seu dinheiro arduamente conseguido para ser jogado na rua, e muito mais, porque geralmente ele estava muito mal nas noites de sábado. No final ele acabava dando o dinheiro e perguntando se ela pensava em comprar a jantar de domingo. Então ela tinha que correr o mais rápido possível para fazer as compras, segurando firme sua bolsa de couro enquanto abria caminho a cotoveladas pela multidão e retornava tarde pra casa com seu pacote de provisões. Ela tinha trabalho para manter a casa unida e cuidar para que as duas crianças deixadas sob seus cuidados fossem regularmente à escola e se alimentassem regularmente. Era um trabalho duro – uma vida dura –, mas agora que ela estava perto de ir embora, não a via como uma vida totalmente indesejável.
Estava perto de explorar outra vida com Frank. Frank era muito amável, viril, generoso. Iria embora com ele na embarcação noturna e seria sua esposa e viveriam em Buenos Aires, onde ele tinha uma casa à espera. Como ela lembrava bem a primeira vez que o havia visto! Ele estava alojado em uma casa na estrada principal que ela costumava visitar. Parecia há poucas semanas. Ele estava ao portão, o chapéu pontudo para trás e o cabelo tombado sobre o rosto de bronze. Então se conheceram. Ele ia encontrá-la fora da Loja toda noite e a acompanhava até em casa. Levou-a para ver “A Garota Boêmia”, e ela se sentiu exultante, sentada numa parte do teatro em que não costumava sentar. Ele gostava muito de música e cantava um pouco. As pessoas sabiam que eles estavam flertando e, quando ele cantava sobre a moça que ama um marinheiro, ela sempre se sentia prazerosamente inquieta. Ele costumava chamá-la Poppens, por diversão. No começo tinha sido excitante para ela o simples fato de ter um amigo, de modo que começou a gostar dele. Ele contava histórias de países distantes. Começara como empregado de convés, ganhando um pond por mês num navio da Allan Line que ia ao Canadá. Contou-lhe os nomes dos navios em que esteve e os diferentes serviços que fizera. Navegara pelo Estreito de Magellan e contou-lhe histórias dos terríveis patagônios. Disse que assentou em Buenos Aires e tinha voltado ao antigo país apenas para umas férias. Claro, o pai de Eveline descobrira o caso entre os dois e proibiu a filha de falar com Frank.
– Eu conheço esses caras marinheiros, ele disse.
Certo dia ele brigou com Frank e, depois disso, ela tinha que encontrar seu amor secretamente.
A noite se aprofundou na avenida. O branco das duas cartas em seu colo ficou indistinto. Uma era para Harry; a outra era para seu pai. Ernest tinha sido seu preferido, mas também gostava de Harry. Seu pai estava envelhecendo; ele sentiria sua falta. Às vezes ele podia ser amável. Não fazia muito tempo, quando ela estivera de cama por um dia, ele lera uma história de fantasma e fizera torradas. Num outro dia, quando sua mãe era viva, eles foram todos para um piquenique na Colina Howth. Lembrava do pai mexendo no chapéu da mãe para fazer as crianças rirem.
O tempo estava se esgotando, mas ela continuava sentada à janela, dobrando a cabeça contra a cortina da janela, inalando o cheiro de cretone empoeirado. De algum lugar da avenida ela podia ouvir um órgão tocando. O ar lhe era familiar. Estranho que ele retornasse exatamente naquela noite, para lembrá-la das promessas à mãe, a promessa de manter a casa unida o máximo que pudesse. Lembrava da última noite da mãe doente; ela estava novamente no quarto escuro no outro lado da sala, e lá fora podia ouvir um melancólico som da Itália. O tocador do órgão tinha sido mandado embora e deram-lhe seis pence. Lembrava do pai aprumando-se de volta ao quarto:
– Malditos italianos, vindo até aqui!
Enquanto meditava, a comovente visão do estado da mãe acabou por enfeitiçar o seu ser – aquela vida de sacrifícios triviais encerrando-se na loucura final. Arrepiou-se ao ouvir novamente a mãe pronunciar com uma insistência ridícula:
– Derevaun Seraun! Derevaun Seraun!
Ergueu-se em um repentino impulso de terror. Escapar! Tinha que escapar! Frank a salvaria. Ele lhe daria vida, talvez amor, também. Ela queria viver. Por que tinha que ser infeliz? Tinha direito à felicidade. Frank a envolveria nos braços. Ele a salvaria.
* * *
Ela estava no meio da multidão em movimento no porto de North Wall. Ele segurou sua mão, e ela sabia que ele estava lhe falando, dizendo repetidamente algo sobre a passagem. O porto estava cheio de soldados com malas marrons. Através das amplas entradas dos barracos ela vislumbrou o preto da embarcação, que estava ao lado do muro do cais. Não respondeu nada. Sentiu a face pálida e gélida e, do labirinto de seu sofrimento, rogou a Deus para lhe indicar o caminho, para mostrar qual era sua missão. A embarcação soltou na névoa um silvo triste. Se ela partisse, amanhã estaria no mar com Frank, navegando rumo a Buenos Aires. Suas passagens estavam reservadas. Seria possível a ela voltar atrás, depois de tudo que ele tinha feito? Seu sofrimento despertou uma náusea em seu corpo e ela continuou movendo os lábios em uma fervorosa e silenciosa prece.
Um sino tiniu em seu coração. Ela o sentiu tomar sua mão:
– Venha!
Todos os mares do mundo tombaram em seu peito. Ele tentava levá-la rumo a eles: ele a afogaria. Ela agarrou com ambas as mãos a grade de ferro.
– Venha!
Não! Não! Não! Era impossível. Em frenesi, suas mãos apertavam o ferro. Do meio dos mares ela soltou um grito de angústia!
– Eveline! Evvy!
Ele passou da barreira e lhe disse para segui-lo. Ordenaram-no seguir em frente, mas ele ainda a chamava. Ela lhe dirigiu um rosto branco, passivo, como um animal indefeso. Seus olhos não davam nenhum sinal de amor ou despedida ou agradecimento.
Estava sentada à janela, vendo a noite invadir a avenida. Sua cabeça inclinava-se contra as cortinas e em suas narinas estava o cheiro de cretone empoeirado. Estava cansada.
Poucas pessoas passavam. O homem da última casa passou rumo ao lar; ela escutou seus passos sobre o pavimento de concreto e depois esmagando o trecho cinza que ficava antes das novas casas vermelhas. Antigamente havia um campo lá, onde eles brincavam todas as tardes com outras crianças. Então um homem de Belfast comprou a área e construiu casas nela – não casas pequenas e marrons como as suas, mas radiantes casas com tetos brilhantes. As crianças da avenida costumavam brincar juntas naquela área – os Devines, os Waters, os Dunns, pequeno Keogh, o aleijado, ela e seus irmãos e irmãs. Ernest, no entanto, nunca brincava: ele já era bastante crescido. Seu pai freqüentemente os enxotava do campo com uma vara; mas geralmente o pequeno Keogh conseguia impedir e os alertava quando via seu pai vindo. Ainda assim, eles pareciam ter sido felizes então. Seu pai não era tão mau; e, além disso, sua mãe estava viva. Aquilo foi há muito tempo; ela e seus irmãos e irmãs estavam agora todos crescidos; sua mãe estava morta. Tizzie Dunn estava morta, também, e os Waters tinham voltado para a Inglaterra. Tudo muda. Agora ela iria embora, como os outros, deixaria seu lar.
Lar! Olhou o quarto em volta, revendo todos os objetos familiares que havia espanado uma vez por semana durante tantos anos. Talvez ela nunca mais visse novamente aqueles objetos familiares dos quais nunca sonhara ser separada. E ainda assim, durante todos aqueles anos, ela nunca descobrira o nome do padre cuja fotografia amarelada pendia na parede, sobre o harmônio quebrado ao lado de um impresso colorido com promessas à Abençoada Maria Margarete Alacoque. Ele havia sido um colega de escola de seu pai. Toda vez que ele mostrava a fotografia a um visitante, falava com casualidade:
– Ele está em Melbourne.
Ela consentira em ir embora, em deixar sua casa. Era aquela uma decisão inteligente? Tentou pesar os dois lados da questão. Em casa, de qualquer forma, ela tinha abrigo e comida. Claro, tinha que trabalhar duro tanto em casa quanto no emprego. O que diriam dela na Loja quando descobrissem que havia fugido com um parceiro? Diriam que era uma tola, talvez; e seu lugar seria preenchido através de um anúncio. A senhorita Gavan ficaria satisfeita. Ela sempre lhe aborrecera, especialmente quando havia gente ouvindo.
– Senhorita Hill, não vê que essas damas estão esperando?
– Apresse-se, senhorita Hill, por favor.
Ela não derramaria muitas lágrimas por deixar a Loja.
Em sua nova casa, em um distante e desconhecido país, não seria assim. Ela estaria casada – ela, Eveline. As pessoas lhe tratariam com respeito. Não seria tratada como o fora sua mãe. Mesmo agora, embora tivesse dezenove anos, às vezes se sentia em perigo por conta da violência do pai. Sabia que era aquilo que lhe havia causado palpitações. Quando estavam crescendo, ele nunca implicara com ela, como costumava fazer com Harry e Ernest, porque ela era uma garota; mas ultimamente ele começara a ameaçá-la e dizer o que seria capaz de lhe fazer em nome de sua mãe morta. E agora não havia ninguém para protegê-la. Ernest estava morto e Harry, que vivia na igreja trabalhando com ornamentos, estava sempre em algum ponto distante do país. Além disso, os inevitáveis bate-bocas sobre dinheiro nas noites de sábado haviam começado a cansá-la incrivelmente. Ela sempre dava todo seu salário – sete shillings – e Harry sempre mandava o que podia, mas o problema era conseguir qualquer dinheiro de seu pai. Ele dizia que ela desperdiçava dinheiro, que não tinha juízo, que não daria seu dinheiro arduamente conseguido para ser jogado na rua, e muito mais, porque geralmente ele estava muito mal nas noites de sábado. No final ele acabava dando o dinheiro e perguntando se ela pensava em comprar a jantar de domingo. Então ela tinha que correr o mais rápido possível para fazer as compras, segurando firme sua bolsa de couro enquanto abria caminho a cotoveladas pela multidão e retornava tarde pra casa com seu pacote de provisões. Ela tinha trabalho para manter a casa unida e cuidar para que as duas crianças deixadas sob seus cuidados fossem regularmente à escola e se alimentassem regularmente. Era um trabalho duro – uma vida dura –, mas agora que ela estava perto de ir embora, não a via como uma vida totalmente indesejável.
Estava perto de explorar outra vida com Frank. Frank era muito amável, viril, generoso. Iria embora com ele na embarcação noturna e seria sua esposa e viveriam em Buenos Aires, onde ele tinha uma casa à espera. Como ela lembrava bem a primeira vez que o havia visto! Ele estava alojado em uma casa na estrada principal que ela costumava visitar. Parecia há poucas semanas. Ele estava ao portão, o chapéu pontudo para trás e o cabelo tombado sobre o rosto de bronze. Então se conheceram. Ele ia encontrá-la fora da Loja toda noite e a acompanhava até em casa. Levou-a para ver “A Garota Boêmia”, e ela se sentiu exultante, sentada numa parte do teatro em que não costumava sentar. Ele gostava muito de música e cantava um pouco. As pessoas sabiam que eles estavam flertando e, quando ele cantava sobre a moça que ama um marinheiro, ela sempre se sentia prazerosamente inquieta. Ele costumava chamá-la Poppens, por diversão. No começo tinha sido excitante para ela o simples fato de ter um amigo, de modo que começou a gostar dele. Ele contava histórias de países distantes. Começara como empregado de convés, ganhando um pond por mês num navio da Allan Line que ia ao Canadá. Contou-lhe os nomes dos navios em que esteve e os diferentes serviços que fizera. Navegara pelo Estreito de Magellan e contou-lhe histórias dos terríveis patagônios. Disse que assentou em Buenos Aires e tinha voltado ao antigo país apenas para umas férias. Claro, o pai de Eveline descobrira o caso entre os dois e proibiu a filha de falar com Frank.
– Eu conheço esses caras marinheiros, ele disse.
Certo dia ele brigou com Frank e, depois disso, ela tinha que encontrar seu amor secretamente.
A noite se aprofundou na avenida. O branco das duas cartas em seu colo ficou indistinto. Uma era para Harry; a outra era para seu pai. Ernest tinha sido seu preferido, mas também gostava de Harry. Seu pai estava envelhecendo; ele sentiria sua falta. Às vezes ele podia ser amável. Não fazia muito tempo, quando ela estivera de cama por um dia, ele lera uma história de fantasma e fizera torradas. Num outro dia, quando sua mãe era viva, eles foram todos para um piquenique na Colina Howth. Lembrava do pai mexendo no chapéu da mãe para fazer as crianças rirem.
O tempo estava se esgotando, mas ela continuava sentada à janela, dobrando a cabeça contra a cortina da janela, inalando o cheiro de cretone empoeirado. De algum lugar da avenida ela podia ouvir um órgão tocando. O ar lhe era familiar. Estranho que ele retornasse exatamente naquela noite, para lembrá-la das promessas à mãe, a promessa de manter a casa unida o máximo que pudesse. Lembrava da última noite da mãe doente; ela estava novamente no quarto escuro no outro lado da sala, e lá fora podia ouvir um melancólico som da Itália. O tocador do órgão tinha sido mandado embora e deram-lhe seis pence. Lembrava do pai aprumando-se de volta ao quarto:
– Malditos italianos, vindo até aqui!
Enquanto meditava, a comovente visão do estado da mãe acabou por enfeitiçar o seu ser – aquela vida de sacrifícios triviais encerrando-se na loucura final. Arrepiou-se ao ouvir novamente a mãe pronunciar com uma insistência ridícula:
– Derevaun Seraun! Derevaun Seraun!
Ergueu-se em um repentino impulso de terror. Escapar! Tinha que escapar! Frank a salvaria. Ele lhe daria vida, talvez amor, também. Ela queria viver. Por que tinha que ser infeliz? Tinha direito à felicidade. Frank a envolveria nos braços. Ele a salvaria.
* * *
Ela estava no meio da multidão em movimento no porto de North Wall. Ele segurou sua mão, e ela sabia que ele estava lhe falando, dizendo repetidamente algo sobre a passagem. O porto estava cheio de soldados com malas marrons. Através das amplas entradas dos barracos ela vislumbrou o preto da embarcação, que estava ao lado do muro do cais. Não respondeu nada. Sentiu a face pálida e gélida e, do labirinto de seu sofrimento, rogou a Deus para lhe indicar o caminho, para mostrar qual era sua missão. A embarcação soltou na névoa um silvo triste. Se ela partisse, amanhã estaria no mar com Frank, navegando rumo a Buenos Aires. Suas passagens estavam reservadas. Seria possível a ela voltar atrás, depois de tudo que ele tinha feito? Seu sofrimento despertou uma náusea em seu corpo e ela continuou movendo os lábios em uma fervorosa e silenciosa prece.
Um sino tiniu em seu coração. Ela o sentiu tomar sua mão:
– Venha!
Todos os mares do mundo tombaram em seu peito. Ele tentava levá-la rumo a eles: ele a afogaria. Ela agarrou com ambas as mãos a grade de ferro.
– Venha!
Não! Não! Não! Era impossível. Em frenesi, suas mãos apertavam o ferro. Do meio dos mares ela soltou um grito de angústia!
– Eveline! Evvy!
Ele passou da barreira e lhe disse para segui-lo. Ordenaram-no seguir em frente, mas ele ainda a chamava. Ela lhe dirigiu um rosto branco, passivo, como um animal indefeso. Seus olhos não davam nenhum sinal de amor ou despedida ou agradecimento.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Participação dos alunos na feira estudantil
Os alunos participaram na última sexta de um evento chamado "feira estudantil". ouçam a apresentação de alguns em uma rádio criada pelo evento.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Um papo sobre exclusão escolar
Há um tema comum entre os educadores: a inclusão. Entretanto, quero me deter na exclusão. Não a exclusão de deficientes físicos ou mentais. Não a exclusão de negros ou pessoas de outras etnias. Quero comentar sobre a exclusão de alunos perfeitamente sãos que, de alguma forma, mostram desinteresse de nossas aulas e, por conta disso, uma dispersão além do comum.
Nós os excluímos na medida em que somos criticados (mesmo que de forma velada como um bocejo); excluímos quando não apresentam os resultados em provas satisfatórios ao nosso ego professoral. Sendo assim, não levamos os indivíduos em passeios, pois acreditamos que eles não vão se comportar. Não damos oportunidade de fala a ele, pois não queremos ouvir sua crítica ao nosso trabalho.
Por que então falar em inclusão, se a todo o momento o que vemos é a exclusão. Não que a primeira não seja importante, ela é. Contudo precisamos observar que excluímos mais do o contrário. Excluímos quando não permitimos que ele tenha uma aula de qualidade; quando colocamos os resultados de provas acima do aprendizado; quando acreditamos que ele seja um irrecuperável. Será que de fato é assim?
Nós os excluímos na medida em que somos criticados (mesmo que de forma velada como um bocejo); excluímos quando não apresentam os resultados em provas satisfatórios ao nosso ego professoral. Sendo assim, não levamos os indivíduos em passeios, pois acreditamos que eles não vão se comportar. Não damos oportunidade de fala a ele, pois não queremos ouvir sua crítica ao nosso trabalho.
Por que então falar em inclusão, se a todo o momento o que vemos é a exclusão. Não que a primeira não seja importante, ela é. Contudo precisamos observar que excluímos mais do o contrário. Excluímos quando não permitimos que ele tenha uma aula de qualidade; quando colocamos os resultados de provas acima do aprendizado; quando acreditamos que ele seja um irrecuperável. Será que de fato é assim?
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Feira estudantil
Hoje estivemos, os alunos e eu, na feira estudantil em Barueri. Logo postarei imagens e áudios com a participação de alguns deles.
Aguardem.
Aguardem.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Fórum 8ª D
Os próximos vídeos pertencem ao mesmo tema anterior porém com a participação de alunos da
8ª D.
8ª D.
terça-feira, 11 de maio de 2010
sexta-feira, 7 de maio de 2010
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